Saúde

Infertilidade masculina é um tabu que silencia homens e prejudica tratamentos
Jorge Hallak revela como vergonha e desinformação afastam homens dos tratamentos: “Eles só descobrem o problema quando tentam ser pais”. A infertilidade atinge 10% a 20% dos casais em idade reprodutiva, mas em aproximadamente 30% dos casos é causada
Por Bernardo Carabolante - 02/08/2025


O desespero por soluções rápidas acaba levando muitos homens a armadilhas médicas – Foto: Andrew Neel/Pexels


A infertilidade masculina atinge hoje entre 15% e 18% dos homens brasileiros, um aumento significativo em relação aos 10% e 13% registrados há 20 anos. Segundo Jorge Hallak, professor da Faculdade de Medicina (FM) da USP, as causas para essa porcentagem tão alta está diretamente ligada a fatores ambientais e de estilo de vida, como poluição, sedentarismo, consumo de álcool e drogas – especialmente a maconha, considerada a substância mais prejudicial à fertilidade masculina. O estresse crônico, agravado pela ansiedade que coloca o Brasil no topo dos rankings mundiais, também contribui para esse cenário.

Diagnóstico tardio e busca de tratamento

Um dos maiores problemas é o diagnóstico tardio. Segundo Hallak, há uma diferença cultural crucial entre homens e mulheres: enquanto elas crescem com a ideia de que devem cuidar da saúde reprodutiva, os homens só descobrem possíveis problemas quando o casal enfrenta dificuldades para conceber. Essa descoberta inesperada gera um profundo impacto emocional. De acordo com a OMS: “Abordar a infertilidade também pode mitigar a desigualdade de gênero. Em alguns ambientes, o medo da infertilidade pode impedir mulheres e homens de usarem contraceptivos se eles se sentirem socialmente pressionados a provar sua fertilidade em uma idade precoce por causa de um alto valor social da gravidez”.

O desespero por soluções rápidas acaba levando muitos homens a armadilhas médicas. Um erro comum é o uso indiscriminado de testosterona, que na verdade piora a fertilidade. Outro problema grave é a pressa em recorrer a técnicas de reprodução assistida caras e invasivas sem antes investigar causas tratáveis, como a varicocele – dilatação das veias testiculares presente em até 81% dos casos de infertilidade secundária – ou fatores reversíveis relacionados ao estilo de vida. Muitas clínicas de reprodução pulam etapas essenciais de diagnóstico, focando apenas em procedimentos lucrativos.

Infertilidade e virilidade

Quando os tratamentos falham – e a taxa de sucesso é de apenas 30% em casos de infertilidade masculina – a frustração é enorme. As mulheres muitas vezes encaram a falha como um aborto, enquanto os homens se sentem culpados por não terem investigado o problema antes. Essa dinâmica pode gerar tensões no relacionamento e levar ao abandono definitivo do tratamento. O professor Hallak relata casos de homens que só descobriram as causas de sua infertilidade depois que a parceira já estava grávida através de fertilização in vitro – uma situação que ele compara a “fazer uma cirurgia cardíaca sem saber por que o coração falhou”.

Para mudar esse cenário é essencial quebrar o tabu em torno da infertilidade masculina. Isso inclui levar meninos ao urologista na adolescência, assim como as meninas vão ao ginecologista, e promover uma discussão mais aberta sobre saúde reprodutiva masculina. É preciso também exigir diagnósticos completos antes de partir para técnicas complexas de reprodução assistida. O professor Hallak enfatiza que a infertilidade não é uma questão de virilidade, mas sim de saúde – e que, com os cuidados adequados, muitos casos podem ser tratados de forma menos invasiva e mais eficaz.

Hallak alerta para um grave obstáculo no combate à infertilidade masculina: os interesses econômicos que perpetuam a desinformação. “Existe uma resistência muito grande por parte de clínicas de reprodução que têm grupos econômicos por trás, para que essa informação [sobre diagnóstico adequado] não se propague”, revela. Ele destaca que, apesar das diretrizes internacionais já estabelecidas, muitas clínicas brasileiras ignoram investigações básicas e partem diretamente para procedimentos caros como a fertilização in vitro.

Apesar dos avanços na medicina reprodutiva, o maior desafio continua sendo cultural: transformar um assunto que ainda causa vergonha em uma questão de saúde pública que merece atenção, informação e acolhimento. Enquanto o tabu persistir, muitos homens continuarão sofrendo em silêncio e abandonando tratamentos que poderiam ajudá-los a realizar o sonho da paternidade.

 

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